Ser vereadora não é fácil! Em 2016, quando me candidatei a vereadora em Embu das Artes, sabia que teria muitos desafios pela frente. Mas eu queria mais mulheres na política, e uma das maneiras de conseguir era eu mesmo me candidatando.
Fazer uma campanha é algo muito difícil sempre, é preciso administrar pessoas, recursos, expectativas e trabalhar dia a dia a ansiedade.
Não consigo contar quantas vezes eu ouvi que não teria nem 100 votos, ou que eu não era a melhor escolha dentro do partido. Mas me dediquei dia a noite e tive ajuda de muitas pessoas. Fui a vereadora mais votada da cidade, atingindo surpreendentes 3.356 votos.
Neste artigo, vou contar um pouco da minha experiência nos últimos quatro anos.
- Como era ser mulher em um ambiente predominantemente masculino?
- Como é tentar apresentar leis e não ter a possibilidade nem de conseguir discutir seus projetos no plenário?
- Ser oposição, competindo contra o aparato da “máquina pública”, sem dinheiro e sendo honesta?
O início de meu mandato
Desde o início soube que a responsabilidade seria enorme, ao mesmo tempo em que precisava cuidar da minha família. Tenho três filhos e antes de tudo sou mãe. Quando você vira vereadora, você vira vereadora 24h por dia. A jornada é tripla, quadrupla. Definitivamente não é fácil ter mais mulheres na política.
Você precisa provar, a cada dia, que não está ali para ser apenas mais uma vereadora. Luto por mais mulheres na política! O tempo todo pensando em como realizar o melhor mandato, mostrando a todos que é possível atuar na política de forma limpa.
O prefeito conseguiu manter com ele a maioria dos vereadores eleitos, mesmo procurado pela polícia, mesmo com prisão decretada. É agoniante porque mostra o fracasso de nossas instituições, que convive com toda a sujeira da política de Embu das Artes.
O que sempre me deu forças para continuar, foi saber que boa parte da população estava indignada. Não aceitávamos caladas todos os desmandos do governo, ficaram ao meu lado e me deram apoio.
Durante os primeiros meses fui a única oposição na Câmara. Os vereadores governistas eram instruídos a não aprovar meus projetos, por mais importantes que fossem os projetos para a população. Projetos como o Bilhete Único Municipal e o Passe Livre Temporário para os desempregados, mas eram barrados antes mesmo de chegar no plenário.
Funciona assim: com a sua assessoria, você estuda um projeto, ouve a população, procura consultoria jurídica, faz um levantamento nas redes sociais. Depois, escreve o projeto e protocola em um sistema interno.
Depois de apresentados e protocolados, os projetos passam pela “comissão mista”, que é formada por cinco vereadores (normalmente comprados pelo governo em troca de cargos na prefeitura). E é essa comissão mista que barrou meus projetos durante quatro anos, fazem tudo em uma sala menor, que a população não pode entrar para assistir e dificultam o máximo possível a entrada de jornalistas, para poderem atuar às escuras.
A população e a justiça como aliados
Era uma batalha árdua, e o que me dava forças para continuar era saber que apesar de ser, no início, a única vereadora de oposição, não estava sozinha: nas redes sociais e nas ruas tinha suporte da população de Embu das Artes.
Não havia nenhum respaldo da prefeitura, mesmo quando cidadãos me procuravam com demandas urgentes, casos que poderiam custar a vida de munícipes que não conseguiam atendimento no hospital, os secretários eram orientados a não me atender. Para contornar a omissão da prefeitura, encontrei um grande aliado: a justiça.
Como não aprovavam meus projetos, intensifiquei a fiscalização. Sempre que negavam atendimento a população em postos de saúde, não entregavam medicamentos, não matriculavam crianças nas creches e escolas, a solução era recorrer à justiça com denúncias no Ministério Público e mandados de segurança para garantir direitos.
Taxa do lixo e IPTU
E foi assim, com a taxa do lixo, nosso primeiro grande desafio. Estive com a população nos protestos e conseguimos derrubar na justiça o primeiro ano de cobrança, porque era inconstitucional criar um tributo para cobrá-lo no mesmo ano.
Seria estranho entender porque um prefeito recém eleito criou uma taxa, como a do lixo, e aumentou o IPTU logo no início do seu mandato e de uma vez só. Mas Maquiavel diz em sua obra “O Príncipe” que “a crueldade se faz de uma só vez”.
A crueldade bem empregada — se é lícito falar bem do mal — é aquela que se faz de uma só vez, por necessidade de segurança. Depois não se deve perseverar nela, mas convertê-la no máximo de benefícios para os súditos
Maquiavel, em “O Príncipe”
No segundo ano tentaram empurrar novamente a taxa do lixo goela abaixo junto com um aumento estratosférico no IPTU. Mais uma manifestação popular nas ruas, com alto grau de organização. A população tomou as ruas e a grande mídia repercutiu o caso. Derrubamos a taxa.
Essas lutas foram imprescindíveis para dar sustentação ao mandato. Tive ainda mais convicção do meu papel como oposição. Outros três vereadores se juntaram a oposição e a população que acompanhava a política na cidade e nos dava suporte se multiplicou. Graças a todo esse apoio, conseguimos importantes vitórias, lutamos e barramos outras medidas irresponsáveis do prefeito, como a tentativa de redução salarial de professoras.
Jornal falso e votação do conselho tutelar
Dois momentos que marcaram muito meus quatro anos como candidata foi quando criaram um jornal falso para me atacar e quando fui agredida na votação do conselho tutelar.
Jornal falso para tentar criar briga interna
Em setembro de 2019, acordei com dezenas de mensagens no meu celular dizendo que estavam distribuindo um jornal para prejudicar minha imagem.
O jornal chamava “Diário de Embu”, sem CNPJ, sem telefone, sem nada. Havia uma “matéria” – se é que podemos chamar assim, que citava um caso da justiça contra Geraldo Cruz, e uma outra “matéria” que fazia uma referência boa a minha imagem.
A intenção era desestabilizar o meu partido, criando um conflito interno entre eu e Geraldo Cruz, que na época ainda era filiado ao PT.
Mas, de novo, por sorte e por ter muitas pessoas ao meu lado, montamos uma operação com diversos apoiadores em diversas ruas de Embu das Artes. Era assim: cada um cobria um bairro da cidade, e ficávamos atentos ao celular. Se alguém visse algo, chamava no grupo.
Até que alguém viu o pessoal com os jornais parado em um bar para tomar uma água.
Paramos, pedimos uma água e oferecemos um refrigerante para os entregadores. Eles aceitaram. Chamamos a polícia civil, que foi até o bar e encaminhou todo mundo pra delegacia.
Depois de muito interrogatório, conseguimos o local que estavam estocados os jornais: a casa de um assessor do prefeito Ney Santos, loteado na comunicação.
Aparentemente criaram um jornal dentro da comunicação da prefeitura, possivelmente até com dinheiro público, guardado na casa de um funcionário da prefeitura e distribuído em nome do prefeito.
Eleições para o conselho tutelar
Um mês depois acontecia a votação para o conselho tutelar, que foi polarizada e muito comentada na mídia em todo o Brasil.
Quando fui votar em minha escola, vi um apoiador do prefeito Ney Santos fazendo boca de urna. Achei ruim e fui fiscalizar. Ele começou a discutir comigo e tirou o celular para tentar me filmar e dizer que eu estava fazendo boca de urna.
A idéia seria me filmar e começar a gritar que eu estava fazendo boca de urna. Eu dei um grito e ele deu um mata leão em mim.
De novo, todos foram encaminhados para a delegacia, fiz boletim de ocorrência descrevendo a agressão e, algumas horas depois, me enviaram de forma anônima um vídeo em que ele estava claramente distribuindo panfletos com o nome da sua candidata, a sua esposa.
Candidatura para prefeita: mais mulheres na política
Mas, mesmo recebendo muito apoio, realizando uma fiscalização intensa e entrando com dezenas de ações na justiça, não havia como impedir todas as irresponsabilidades. Apresentamos pedidos de impeachment para afastar o prefeito e de CPIs para investigar condutas suspeitas nos órgão públicos, mas os vereadores que atuavam como lacaios do prefeito faziam de tudo para barrar nossas tentativas.
Por isso, sem conseguir apresentar projetos, sem conseguir atender a população como gostaria e, principalmente, vendo a cidade sendo tomada por saqueadores, percebi que se continuasse apenas na Câmara, nada mudaria. Vi que as coisas só mudariam se barrássemos o mal direto pela raiz, na prefeitura. Era necessário ter alguém que tivesse coragem para enfrentar e bater de frente, foi aí que decidi me candidatar a prefeita.
Sabia do grande risco de perder e ficar sem mandato, mas era tanta, mas tanta gente nas ruas dizendo que confiava em mim e que eu seria uma boa prefeita, que me decidi candidatar a prefeita.
De novo, ouvi que não teria votos. Dessa vez, falavam que eu não chegaria a 5 mil votos. Que eu era a escolha errada dentro do partido. Que eu não deveria ter me candidatado. A mesma história e as mesmas falas que eu ouvia quando era vereadora.
Curiosamente, coincidência ou não, sempre que alguém falava isso era o mesmo perfil. Era praticamente impossível ver uma mulher chegar em mim e falar: “você é a escolha errada”.
E mesmo com todas as dificuldades da campanha, em que disputei contra uma estrutura milionária, foram mais de 27 mil votos. Votos de pessoas que têm esperança e acreditam que é possível ter uma cidade com mais ética e transparência.
Saí dessa batalha maior do que entrei, e não vou abandonar Embu das Artes. Foram mais de 27 mil cidadãos unidos por uma cidade melhor e não aceitaremos que ataquem nossos direitos e futuro.
Continuo na luta pelas causas sociais, nas associações e ajudando as famílias que tanto precisam em minha cidade.
Para todos aqueles que ainda estão em dúvida se vale a pena, eu digo: faria tudo de novo.
Para todos aqueles que também, de alguma forma, se identificou: me chama por WhatsApp que estou aqui para fortalecer.
Rosângela Santos